[Crítica] Missa da Meia-Noite: "Mass" que virou "mess"


Pra mim essa série acabou no 5° episódio, de forma sublime e beirando a excelência, no auge de seu horror melancólico e "shakespeariano". Com 7 episódios em seu total, a cena final do 5º episódio é orquestrada de forma arrebatadora (ouso dizer ser uma das melhores e mais impactantes cenas já feitas no horror), mas o que vem depois, em seu 6º e último episódio, nos leva à decepção por vermos que toda sua construção primordial acabou desmoronando em um final desastroso.

O que era pra ser uma das melhores obras de Mike Flanagan (se não, a melhor, depois da excelente "Residência Hill" e da ótima "Mansão Bly") acaba caindo por terra. O roteiro se perde numa sequência bagunçada, cheia de furos e com um rumo que destrói tudo o que havia sido construído com tanta genuinidade. 

"Midnight Mass" passa a ser "mess". Algo parecido aconteceu também na série "Drácula" da Netflix, onde seus 2 primeiros episódios são impecáveis, mas ao chegar o seu 3° e último episódio, tudo vai pro chão e nos faz sair correndo desesperado tentando salvar algum argumento.

Como eu assisti sem saber nada sobre a história, ou até mesmo sobre a sinopse, fiquei de queixo caído com a forma que Flanagan foi construindo gradativamente todo o mistério, e mais de queixo caído ainda quando foi revelado sobre O QUE a história se tratava. 

A ambientação na ilha e a fotografia são de encher os olhos e a sensibilidade do roteiro em lidar com assuntos polêmicos envolvendo a religião são assertivos. Tudo se encaminhava e se confirmava, e mesmo a série estando no limite do que seria uma "doutrinação", o enredo se manteve aberto, imparcial e subjetivo. Mike Flanagan consegue lidar com temas sensíveis acerca da fé e religião, usando versículos bíblicos melhor do que muito líder espiritual pra no final pecar naquilo que ele é expert: a ficção, o horror.

A procissão que virou velório em "Missa da Meia-Noite"

E pensar que a história poderia ter escolhido uma conclusão mais simples e eficaz, do que tentar algo impactante e se tornar desastrosa. A única coisa que manteve bons rendimentos no final foi a atuação de Samantha Sloyan, que se destaca muito em seu papel de fanática religiosa. Sinceramente não sei como ela conseguiu manter a concentração em meio a tantos diálogos ruins que o roteiro lhe obrigou a sustentar, e que mesmo com sua atuação não foi capaz de salvar. Nesse caso, só Jesus mesmo.

"Missa da Meia-Noite" entra pra lista de grandes decepções, infelizmente. Não pela hype já existente no nome do Flanagan, mas justamente por essa quase ter se tornado outra obra-prima com sua assinatura, se não fosse seu final.
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★★ (Regular | Nota: 5/10)

*Visto em áudio original: Inglês | Legenda: PT-BR


Sobre a contradição contextual e a queda do roteiro 


O grande furo no roteiro e minha ideia sobre o que poderia ter sido um final melhor (6º e 7º episódio). A partir daqui CONTÉM SPOILER!

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Antes de mais nada, vamos entender sobre algumas características essenciais no mito do vampiro. Claro que não há uma obrigação que faça uma história de vampiros seguir sempre a mesma regra. Em algumas obras eles temem o crucifixo e morrem com uma estaca no coração, em outras eles já não obedecem isso e o roteiro segue sua própria regra. Porém, existe um certo limite nisso tudo, principalmente para que não haja uma completa desfiguração do personagem/mito em sua essência. Ex.: um vampiro não se transforma apenas em noites de lua cheia; lobisomens não falam quando estão em sua forma de lobo (a não ser que seja o lobo mau da Chapeuzinho Vermelho) e zumbis não morrem porque o tiro que levaram foi especificamente com uma bala de prata. Todo mito possui suas regras imutáveis.

Mesmo que o roteiro do Flanagan desrespeitasse isso e tivesse criado novas regras acerca dos vampiros (afinal, já vimos histórias em que eles até brilham), isso precisava estar contextualizado na história e se sustentar, por mais absurdo que fosse essas novas ideias. Mas aqui, não é nem sobre a intenção de inovar na mitologia, mas a queda do roteiro na incoerência a partir da missa no final. Se existiram personagens que passaram por todo um PROCESSO de transformação, como que DO NADA pessoas começam a se transformar em vampiros em questões de segundos, como se estivessem num apocalipse zumbi? Esse exemplo de contradição dentro do que a própria história construiu é o que chamamos de FURO. E em "Missa da Meia-Noite" infelizmente isso vem como uma avalanche.

Acredito que a tentativa do Flanagan de fazer um "final grandioso" o fez enfiar os pés pelas mãos. Talvez se a cena final da missa em que os "escolhidos" (que acreditaram na ilusão do padre e beberam do cálice, morreram e voltaram como vampiros) na verdade já fossem vampiros por terem sido atacados ANTES. Quem fosse desse clã mataria todo mundo que se recusasse a beber do cálice nessa última missa do 6º episódio, mas esses morreriam mesmo. Não se transformariam DO NADA e começasse a se propagar na velocidade de zumbis.


O episódio final - "Apocalipse" - poderia ter tido outros rumos também. Os "escolhidos" sairiam pela ilha em uma caçada final atrás dos que tivessem conseguido fugir da igreja, mas sem essa pressa congestionante que vimos e que não deu certo. O padre acabaria se arrependendo mesmo de todo seu engano e ilusão, mas ninguém aceitaria isso e deixaria ele pra morrer com o nascer do sol. A personagem de Samantha Sloyan assumiria a liderança e eles conseguiriam sair da ilha pra propagar sua "mensagem religiosa" dessa nova seita de vampiros pelo continente, ficando esse gancho caso houvesse uma 2° temporada. Olha que maravilha Mike! As possibilidades eram muitas. Pelo menos ficamos com essa lição: a de que a pressa, talvez, pode realmente ser a inimiga da perfeição.