Não sei se eles sofreram algum tipo de influência/inspiração pelo sucesso do roteiro original de "Entre Facas e Segredos", lançado no final de 2019, mas acredito que a resposta seja "não". Até porque, "Morte no Nilo" já estava em produção durante esse mesmo ano (2019) e só foi lançado em 2022 por ser um dos filmes mais adiados por conta da pandemia de Covid-19.
Polêmicas envolvendo o filme (e o livro)
Não bastasse isso, no final de 2020 e início de 2021, surgem as polêmicas com Armie Hammer e Letitia Wright, ambos fazendo parte do elenco de peso em um filme que já havia sido finalizado. Nessas incertezas acerca do lançamento e a baita saia justa que a produtora 20th Century Studios e a distribuidora Walt Disney Studios se encontraram, em fevereiro de 2022 o filme finalmente chega aos cinemas, com parte de seu elenco cancelado e precisando ser investigado por algum "Hercule Poirot" fora das telonas.
Agatha Christie por si mesma, já é uma escritora que se envolveu em muita polêmica. Seja na vida pessoal, ou em seus livros. Não só no título do que seria considerado por muitos o seu melhor livro - "E Não Sobrou Nenhum" -, que antes se chamava "O Caso dos Dez Negrinhos" e precisou sofrer essa alteração pelo teor racista na palavra "niggers" do título original, mas também por carregar essa característica elitista em seus personagens, algo que se tornou um rótulo de suas obras.
O livro "Morte no Nilo" foi lançado em 1937, e seus personagens e características possivelmente são reflexos do que uma escritora muito observadora presenciava na época. E é aqui que o roteiro de Michael Green acerta em cheio, por trazer essas questões de forma repaginada para os dias de HOJE.
Se no livro o personagem da sra. Allerton é infeliz no comentário que faz sobre os meninos núbios por exemplo, os chamando de "diabinhos negros", no filme vemos a subversão em trazer uma empregada branca, de olhos claros e estereótipo europeu. Se no livro há uma aversão esnobe ao comércio local do Egito, que tenta ganhar dinheiro com o turismo, no filme eles fazem um tour por uma feirinha egípcia.
Um roteiro afiado e uma direção arrebatadora
A impressão que tive foi de que aprenderam com os erros do filme anterior. A direção do Branagh continua ousada, mas agora temos um filme que não fugiu de sua essência. "Morte no Nilo" (2022) acerta não só no mistério, mas na CARGA EMOCIONAL que constrói. O nível arrebatador que ele consegue chegar em seu clímax é algo que não vemos com tanta frequência.
O elenco inteiro está entregue a essa trama novelesca de Agatha Christie, e desde o início a edição ajuda a construir um timing perfeito entre seus atos. Timing que é seu ápice! Pois consegue orquestrar os elementos da trama e nos chocar em suas reviravoltas. Com isso, o filme prende nossa atenção e nos surpreende antes mesmo de algum personagem morrer. Até mesmo quem já leu o livro é pego de surpresa, algo que só é possível com um trabalho muito bem pensado entre roteiro, edição e direção, e isso não tem nada a ver (necessariamente) com a fidelidade cronológica aos acontecimentos do livro, mas a forma inteligente e eficaz como tudo foi adaptado para o cinema.
Emma Mackey está soberba como Jacqueline De Bellefort, e mais uma vez, Kenneth entregando um Hercule Poirot extremamente original. Para não falar da fotografia deslumbrante, do CGI que manteve a estética vinda do primeiro filme, do design de produção que enche os olhos (principalmente no que diz respeito ao Karnak) e do figurino que entraria nos padrões do Oscar.
Dessa vez, a cena de abertura agrega algo muito importante ao personagem de Poirot, e toda a liberdade criativa que o roteiro traz é mais afiado e preciso do que a lâmina de um bisturi. Personagens foram realocados de forma sagaz e a trilha sonora colaborou (ou pelo menos não atrapalhou), mas o brilho do diamante Tiffany no colar de "Morte no Nilo" (2022) é seu teor intrigante, quando Hercule Poirot entra em cena para "farejar como um cão" e encurralar seus suspeitos contra a parede cheirando a tinta fresca e salpicada de sangue.
"Bang!" Quantas cenas com "torta de climão" temos aqui, e gourmet ainda, claro. Fiquei feliz por ver que essa "novela das 9" da Rainha do Crime recebeu uma adaptação tão digna. (Mesmo que tenha sido um livro onde consegui prever o que estava acontecendo já em sua metade).
O frescor de ideias bem posicionadas, um Hercule Poirot retratado como o melhor detetive do mundo (o que ele é), a metáfora de seu bigode encobrindo seu ego e sua sensibilidade que beira quase um superpoder. Logo, não havia outra forma melhor de resolver esse caso que não fosse por sua capacidade dotada de raciocínio lógico e perspicácia. Reunindo tudo isso e finalizando ao som de blues...definitivamente não existem motivos que me façam olhar para esse filme de outra forma.
___________________________________
★★★★★ (Obra-prima | Nota: 10/10)
*Visto em áudio original: inglês | Legenda: PT-BR
"Policy of Truth" - Depeche Mode