[Crítica] Morte no Nilo (2022): Das polêmicas ao primor


Dessa vez os fãs da Agatha Christie possivelmente ficarão mais do que satisfeitos. Filmaço! Kenneth Branagh (direção) e Michael Green (roteiro) entregam uma ADAPTAÇÃO que deve ser uma palavra escrita em caixa alta. Diferente de "Assassinato no Expresso do Oriente" (2017), agora eles conseguiram unir a essência dos livros com a assertividade na liberdade criativa. Pra não esquecer, claro, do carinho à obra. E amor. Literalmente, muito amor.

Não sei se eles sofreram algum tipo de influência/inspiração pelo sucesso do roteiro original de "Entre Facas e Segredos", lançado no final de 2019, mas acredito que a resposta seja "não". Até porque, "Morte no Nilo" já estava em produção durante esse mesmo ano (2019) e só foi lançado em 2022 por ser um dos filmes mais adiados por conta da pandemia de Covid-19. 

Polêmicas envolvendo o filme (e o livro)

Não bastasse isso, no final de 2020 e início de 2021, surgem as polêmicas com Armie Hammer e Letitia Wright, ambos fazendo parte do elenco de peso em um filme que já havia sido finalizado. Nessas incertezas acerca do lançamento e a baita saia justa que a produtora 20th Century Studios e a distribuidora Walt Disney Studios se encontraram, em fevereiro de 2022 o filme finalmente chega aos cinemas, com parte de seu elenco cancelado e precisando ser investigado por algum "Hercule Poirot" fora das telonas.

Agatha Christie por si mesma, já é uma escritora que se envolveu em muita polêmica. Seja na vida pessoal, ou em seus livros. Não só no título do que seria considerado por muitos o seu melhor livro "E Não Sobrou Nenhum", que antes se chamava "O Caso dos Dez Negrinhos" e precisou sofrer essa alteração pelo teor racista na palavra "niggers" do título original, mas também por carregar essa característica elitista em seus personagens, algo que se tornou um rótulo de suas obras.

O livro "Morte no Nilo" foi lançado em 1937, e seus personagens e características possivelmente são reflexos do que uma escritora muito observadora presenciava na época. E é aqui que o roteiro de Michael Green acerta em cheio, por trazer essas questões de forma repaginada para os dias de HOJE. 

Se no livro o personagem da sra. Allerton é infeliz no comentário que faz sobre os meninos núbios por exemplo, os chamando de "diabinhos negros", no filme vemos a subversão em trazer uma empregada branca, de olhos claros e estereótipo europeu. Se no livro há uma aversão esnobe ao comércio local do Egito, que tenta ganhar dinheiro com o turismo, no filme eles fazem um tour por uma feirinha egípcia.

O roteiro afiado de Michael Green e a direção arrebatadora de Branagh



A impressão que eu tive foi de que aprenderam com os erros do filme anterior. A direção do Branagh continua ousada, mas agora temos um filme que não fugiu de sua essência. "Morte no Nilo" acerta não só no mistério, mas na CARGA EMOCIONAL que constrói. É arrebatador! E o nível que ele consegue chegar no clímax não é algo que vemos com tanta frequência.

O elenco inteiro está entregue a essa trama novelesca de Agatha Christie e desde o início a edição ajuda a construir um "timing" perfeito entre seus atos. 

O filme já prende sua atenção e começa a te surpreender antes mesmo de algum personagem morrer. ATÉ MESMO quem já leu o livro acaba sendo surpreendido, algo que só é possível com um trabalho muito bem pensado entre roteiro, edição e direção. E isso não tem nada a ver (necessariamente) com a fidelidade cronológica aos acontecimentos do livro, mas a forma inteligente e eficaz como tudo foi adaptado para o cinema.


Emma Mackey está soberba como Jacqueline De Bellefort, e mais uma vez, Kenneth entregando um Hercule Poirot extremamente original. Para não falar da fotografia deslumbrante, do CGI que manteve a estética vinda do primeiro filme, do design de produção que enche os olhos (principalmente no que diz respeito ao Karnak) e do figurino que entraria no padrão de premiações como o Oscar. 

A cena de abertura, dessa vez, agrega algo muito importante ao personagem de Poirot. E toda a liberdade criativa que o roteiro traz é mais afiado e preciso do que a lâmina de um bisturi. 

Para economizar tempo, personagens foram realocados de forma muito inteligente. A trilha sonora colaborou (ou pelo menos não atrapalhou), mas o brilho do diamante Tiffany no colar de "Morte no Nilo" é seu teor intrigante, quando Hercule Poirot entra em cena para "farejar como um cão" e encurralar seus suspeitos contra a parede. 

Bang! Quantas cenas com "torta de climão gourmet" temos aqui. E como fiquei feliz por ver que essa "novela das 9" da Rainha do Crime recebeu uma adaptação tão digna. Reunindo tudo isso, ao som de blues...me sinto incapaz de olhar para esse filme de outra forma.
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★★★★★ (Obra-prima | Nota: 10/10)

*Visto em áudio original: inglês | Legenda: PT-BR