[Crítica] Assassinato no Expresso do Oriente (2017): E sobre adaptações


Quando falamos de um filme que seu roteiro é adaptação de um livro, acredito que, além do ponto de vista pessoal, tudo acaba se dividindo em outros dois pontos críticos diferentes: de quem leu o livro e de quem não leu e apenas analisou a experiência cinematográfica em si. Ambos olhares são válidos, porém, muitos não deixam claro de qual deles está falando, e isso sim, é algo que acaba limitando uma review. Independente de conhecer ou não a obra original.

Afinal, o que seria uma boa adaptação?

Com isso teremos outro divisor de opiniões. Acredito na teoria de que um filme com roteiro adaptado seria mais fácil de agradar os que não conhecem sua obra de origem do que os que a conhecem. Entre os que conhecem, cada um possui o seu apreço. E não estou falando necessariamente de ser um fã, ou de alguém que gostou ou não do livro, do autor ou de uma franquia literária, mas a forma que se cria expectativa, e consequentemente, de suas exigências com toda essa questão "livro X filme".

Pra mim, tudo vai depender do conteúdo de origem e do que há nele, para assim se desenvolver uma boa adaptação. Geralmente um LIVRO (não estou falando de jogos de vídeo game, veja bem) possui muito mais detalhes, e é nisso que um bom roteiro adaptado exerce sua função. A FIDELIDADE é o que as pessoas mais exigem, mas nem sempre um filme "Ctrl C + Ctrl V" é algo que irá funcionar. Mas de uma coisa eu tenho certeza, NUNCA um roteiro deve sair da ESSÊNCIA de origem, mesmo que haja liberdade criativa e a necessidade de cortar vários detalhes para fechar algo que, em média, possui 2 horas de duração.

Acaba sendo difícil engolir uma mudança drástica sem que ela se sustente dentro de sua proposta. Se a história é de mistério, por que forçar um drama? Ou se um personagem mitológico já vem com suas características preestabelecidas por exemplo, por que torná-lo algo fora de sua mitologia, descaracterizando-o? Então, esse equilíbrio entre FIDELIDADE x LIBERDADE que ao meu ver faz com que um roteiro adaptado consiga êxito, e a sensibilidade em dosar tudo isso de acordo com a época em que o filme está sendo lançado e seu público alvo. Algo que pode parecer fácil (mais do que criar do zero um roteiro original), mas que não deve ser tão simples assim.

Aventura no Expresso do Oriente

Neste caso, não só li o livro como será impossível falar desse filme sem confessar o meu crime: sou fã da Agatha Christie. Kenneth Branagh está ousado e muito bem na direção, principalmente na forma que escolhe transitar com a câmera em alguns planos-sequência. Mas em "Assassinato no Expresso do Oriente" um dos maiores problemas das adaptações veio à tona, com peso maior na edição e no roteiro.

Esqueceram do suspense e a imersão no mistério, para talvez tentar mostrar uma nova roupagem, mas que acabou praticamente em ares de "aventura" onde Hercule Poirot quase se tornou um "agente secreto" e deixou sua índole de detetive. Talvez a preocupação de que o filme caísse em um ritmo lento caso se aprofundasse em diálogos investigativos (que é o que o livro é na verdade), eles preferiram uma narrativa mais cheia de ação, mas que levou o filme a pecar em algo que é difícil passar despercebido: sua ESSÊNCIA. 

Não que o filme não tivesse seu teor de mistério e a base da história não se remetesse ao livro, mas o problema está na FORMA superficial que a trama vai se desenrolando e se atropelando por tentar fazer várias coisas ao mesmo tempo e acabar não focando no principal. Essa falha não foi só de roteiro, mas acredito que de edição também. Faltou um "timing" para os desdobramentos e isso acabou quebrando totalmente a imersão no mistério dentro do trem. As evidências são jogadas na cara do espectador sem impacto algum, provavelmente pela escassez de aprofundamento no que deveria ser o seu núcleo. Mesmo com o uso de flashbacks, não foi o suficiente para que houvesse um desenvolvimento melhor de história.


Esse problema de não focar no que interessa e se perder dentro de sua proposta, se deu por algumas escolhas erradas que acabaram minando seu tempo. A própria cena de abertura eu não entendi o porquê de estar ali, não contribuiu em NADA para a história. Talvez se tivessem pensado em cortá-la, teriam sido mais assertivos com o principal, e não bastasse tudo isso, a trilha sonora chega a incomodar bastante (e até a constranger em alguns momentos, principalmente no final) por entrar em momentos onde o tom dramático, além de inoportuno, beira o piegas.


O filme tem a sua elegância. Cumpre muito bem a etiqueta com seu design de produção, figurino e um CGI peculiar. Todo o elenco "ok", com um Hercule Poirot de Kenneth Branagh um tanto inusitado e carismático, mas que no geral, o filme acaba ficando insatisfatório como adaptação. Talvez nessa tentativa de trazer um frescor e deixá-lo mais "pop", entregaram algo requintado e de elenco estelar, mas mediano até para os espectadores que não são leitores da Rainha do Crime.
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★★ (Regular | Nota: 5/10)

*Visto em áudio original: inglês | Legenda: PT-BR