[Crítica] The Passenger (2023): E a irresponsabilidade social nos filmes


Ficção x Realidade

Não é de hoje que vemos a necessidade de falarmos sobre o quão importante os filmes, séries e meios de comunicação em geral, precisam ter uma certa cautela e responsabilidade quando levantam questões/problemas que estão presentes na sociedade (independente de qual país, região ou cultura), não apenas dentro de sua história ficcional. 

Levando em consideração o fato de vivermos em um tempo que muitas bandeiras são levantadas (e que bom por isso, não é?), afinal, a liberdade de expressão existe em meio a arte e precisamos dessa externação de pensamentos, existências e resistências para crescermos juntos como sociedade, de forma respeitosa às diferenças e sem a necessidade de acreditarmos que estamos acima da lei ou de que vivemos em um lugar onde não existe consequências.

Sempre acreditei que a arte no geral tem um poder catalisador enorme na sociedade. Principalmente no que carrega como mensagem e no seu poder propagador de conscientização. Os filmes, muitas vezes, são baseados em "histórias reais" e usam desse slogan até para chamar mais a atenção do público (principalmente os do gênero terror e suspense), e todos sabemos o quanto isso vende (não apenas as produtoras e distribuidoras).

Independente de seu gênero ou se o filme é ou não baseado em fatos reais, a preocupação está justamente em como alguns temas e bandeiras estão sendo levantadas. Se tudo é realmente em prol sobre o conteúdo que estão carregando, se a intenção de utilizar desses temas gerou ainda mais problemas ao invés de ajudar e o que isso pode causar na sociedade pensando a longo prazo. 

Em outras palavras, já que o roteiro de um filme ficcional resolveu utilizar de elementos ou temas REAIS da sociedade, o mínimo que ele deve ter é sensibilidade em utilizar disso. Porque quando falamos de CULTURA, estamos falando muitas vezes de uma "base" também. E quando um filme não possui o mínimo de responsabilidade em se estabelecer quanto a isso, entramos numa área que eu chamo de "filmes problemáticos". Algo bem chato. 

Afinal, quando paramos pra ver um filme, muitas vezes estamos querendo nos desligar de algumas realidades na verdade. Ou, até refletir sobre algumas delas, mas de uma forma construtiva. E digo isso sem partidarismo ideológico, religioso ou político. Entenda.


A psicologia da violência

Escrito por Jack Stanley, roteirista de "Lou" (2022) lançado pela Netflix, e dirigido por alguém um pouco mais experiente - Carter Smith (de "As Ruínas" e do recente "Swallowed") - "The Passenger" é aquele filme que começa despretensioso como um thriller, mas que termina levantando aquela reflexão popular tão conhecida: 

"De boas intenções, o inferno está cheio"

Posso até falar que seu intuito de existir seja apenas como um entretenimento, direcionado talvez a um espectador que ainda nem se preocupa em ler e saber sobre as notícias do mundo atual. Mas olhar para ele dessa forma acaba se tornando impossível com tudo o que ele carrega (e o que também NÃO carrega). 

"Mãe, esse rolê tá diferente..." em "The Passenger"

Diferente de "Coringa" (2019) que ao meu ver soube mexer num vespeiro e ao mesmo tempo não machucar ninguém pela sensibilidade de um roteiro até meio alarmista, em "The Passenger" o alarme que soou foi no sentido oposto. Aqui, aconteceu algo muito parecido com o que achei no filme brasileiro "Bacurau" (2019), que até vemos consequências reais, mas que chegam a soar como "justificação", pra não dizer "solução". A diferença é que na história de "Bacurau" e de seu "cangaço", a polícia não estava lá para fazer o seu papel.

O roteiro em alguns momentos chega a culpabilizar uma família desestruturada (quando seres humanos procriam antes da hora e sem amor) e mesmo que isso possa ser algo que a assistência social esteja bem ciente, o problema é a forma como isso é traçado em paralelo à vida e ações do personagem de Kyle Gallner, que mesmo sendo um vilão surtado e armamentista, o roteiro insiste em flertar com a moral da história, fazendo-o assumir um papel de quem veste uma bandana da justiça na luta contra o bullying e as coisas mal resolvidas da vida.

Até certo ponto, "The Passenger" consegue sustentar sua violência e surtos dentro de um enredo aparentemente inofensivo, mas a falta de aprofundamento no personagem de Kyle Gallner e a forma como tudo acaba, é o que nos faz voltar a pensar sobre responsabilidade social. Para piorar, a confusão de personalidade em que se encontra seu "companheiro de aventuras" (personagem de Johnny Berchtold) chega a beirar o romântico, mesmo que tudo não saia do que seria apenas banal.

Kyle Gallner e Johnny Berchtold em cena de "The Passenger"

Não sei como a Blumhouse deu respaldo em produzir e no site Rotten ele está com 81% de aprovação (com 26 reviews até o momento). Por via das dúvidas, mesmo "The Passenger" carregando esse lado bem inconsequente e problemático, olhando-o apenas como um filme...também não passa de ser algo mais do mesmo.
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★★ (Regular | Nota: 5/10)

*Visto em áudio original: inglês | Legenda: PT-BR