[Crítica] Nefarious: O diabo sensacionalista e tagarela


Antes de qualquer coisa, é necessário falar sobre a atuação de Sean Patrick Flanery. Só por esse quesito já vale a pena assistir esse filme. O que ele entrega interpretando o personagem título impressiona bastante. Uma mistura de Anthony Hopkins (Hannibal Lecter) em "O Silêncio dos Inocentes" com James McAvoy (Kevin Wendell Crumb) em "Fragmentado", que me fez até questionar o porquê ele é um ator que ainda não é muito conhecido.

Baseado no livro de Steve Deace - "A Nefarious Plot" - "Nefarious" é um filme sobre possessão demoníaca que vem causando um certo burburinho, não só por trazer uma nova forma de expressar essa temática do terror, como também por carregar o rótulo de "filme independente cristão". Em um desses pontos eu concordo, realmente ele consegue trazer a possessão demoníaca através de uma ótica bem mais "realista" (se é que posso usar esse termo para quem lê essa review). Já sobre ele ser um filme de terror "cristão" (...)

Entrando nesse âmbito religioso/fé, me peguei refletindo sobre o motivo de, nas Escrituras, Jesus dizer para os demônios: "CALA-TE e sai." Porque o que vimos nesse filme realmente nos faz entender o quanto o diabo é capaz de falar mais que a cobra no jardim do Éden, deixando o espectador até meio atrapalhado, lendo correndo as legendas para não perder o fio do enredo. 

E esse é o problema em "Nefarious" (não necessariamente as legendas). Por alguns momentos me senti assistindo um daqueles programas de "libertação/sessão do descarrego" onde eles ficam entrevistando o demônio (ou entidade, como queiram definir) pra tentar extrair a verdade do pai da mentira, na tentativa de descobrir o segredo de qual dos homens em adultério deve-se pedir o exame de DNA para a moça não sair do programa desamparada. Algo nesse sentido.

Esse "frente a frente" é o ápice do filme, mas o roteiro escolhe o caminho do excesso de palavras, sem saber trabalhar e utilizar da atmosfera que elas mesmas causam. Mesmo com a atuação cativante de Sean Patrick Flanery, o filme acaba perdendo sua força como horror por conta dessa enxurrada de informações trazidas do inferno para construir uma história que nem precisava de tanta informação assim para se tornar eficaz. Nefarious não tem tempo nem de beber uma água e respirar enquanto digerimos nossa pipoca.


Escrito e dirigido por Chuck Konzelman e Cary Solomon, o filme até possui uma curiosa ambientação, que passa a sensação crua de uma cadeia real. A direção demonstra um certo talento com alguns planos durante os diálogos, principalmente com as mudanças de personalidade entre Nefarious e Edward. Mas se por um lado essa "demonologia" toda do roteiro é o que acaba segurando nossa atenção em boa parte de sua 1 hora e 38 minutos (que se passa praticamente num mesmo cenário), isso também foi o que fez o filme enfiar os pés pelas mãos em alguns momentos e fazê-lo desperdiçar o seu grande potencial, não só na forma que aborda o tema de possessão demoníaca, mas também em como transita entre o sobrenatural e o psicológico.
 
Se no citado "Fragmentado" temos o flerte com o sobrenatural em meio a fatos psicológicos, em "Nefarious" vemos o oposto: o psicológico tentando entrar como explicação para o que se apresenta o tempo todo como sobrenatural.  Só é uma pena o roteiro não ter tido um cuidado maior em lidar com esse paralelo, mesmo que seu lado sobrenatural seja seu grande peso. 

Se o que nos cativa na história é justamente o dilema, a reflexão e as possibilidades, o que ele tinha de melhor não poderia ter sido deixado de lado: o horror psicológico. Em determinado momento, o filme esquece de não assumir uma narrativa taxativa e acaba quase deixando nula a possibilidade do desconhecido. E se o medo muitas vezes vem do desconhecido, então, o que temos aqui?


Analisando o que ele se propõe como filme (sem entrar em questões teológicas e/ou políticas), a questão é realmente o rumo pífio que a história escolhe seguir e o desperdício pelo que nos foi apresentado, e depois descartado. Algo que teria sido muito melhor do que um sensacionalismo brega, travestido de ocultismo, que na verdade não passa de um partidarismo político. E quanto a essas questões, até entendemos o fato da liberdade de expressão existir em meio à arte, mas falando estritamente de cinema, volto a repetir: UMA PENA. Porque independente da bandeira que levanta, "Nefarious" tinha tudo para ser um dos melhores filmes sobre possessão demoníaca.
___________________
★★ (Regular | Nota: 5/10)

*Visto em áudio original: inglês | Legenda: PT-BR