[Crítica] Nefarious: O diabo sensacionalista e tagarela


Antes de qualquer coisa, é necessário falar sobre a atuação de Sean Patrick Flanery. Só por esse quesito já vale a pena assistir esse filme. O que ele entrega interpretando o personagem título impressiona bastante, uma mistura de Anthony Hopkins como Hannibal Lecter em "O Silêncio dos Inocentes" (1991) com James McAvoy como Kevin Wendell Crumb em "Fragmentado" (2016).

Baseado no livro de Steve Deace - "A Nefarious Plot" - "Nefarious" (2023) é um filme sobre possessão demoníaca que vem causando um certo burburinho, não só por trazer uma nova forma de expressar essa temática do terror, como também por carregar o rótulo de "filme independente cristão". Em um desses pontos eu concordo, realmente ele consegue trazer a temática por uma ótica bem mais "realista". Já sobre ele ser um filme de terror "cristão" (...)

Entrando no âmbito religioso, me peguei refletindo sobre o motivo de, nas Escrituras, Jesus dizer para os demônios: "CALA-TE e sai." Porque o que vimos nesse filme realmente nos faz entender o quanto o diabo é capaz de falar mais que a cobra no jardim do Éden, deixando o espectador até meio atrapalhado, lendo correndo as legendas para não perder o fio do enredo. 

E pra mim, esse é o problema em "Nefarious" (2023), não necessariamente nas rápidas legendas. Por alguns momentos, me senti assistindo um daqueles programas "sessão do descarrego" onde eles ficam entrevistando o demônio pra tentar extrair a verdade do pai da mentira, na tentativa de descobrir qual dos homens em adultério deve-se pedir o exame de DNA para a moça não sair do programa desamparada. Algo nesse sentido. Mesmo que esse "frente a frente" seja o ápice do filme, o roteiro escolhe o caminho do excesso de palavras, sem saber trabalhar e utilizar da atmosfera que elas mesmas causam. 

Mesmo com a atuação cativante de Sean Patrick Flanery, o filme acaba perdendo sua força por conta dessa enxurrada de informações trazidas do inferno, tentando construir uma história que nem precisava de tanta informação assim para se tornar eficaz. Nefarious não tem tempo nem de beber uma água e respirar, enquanto comemos nossa pipoca e buscamos discernir tudo.


Dirigido e escrito por Chuck Konzelman e Cary Solomon, o filme até possui uma curiosa ambientação, que passa a crua sensação de uma cadeia real. A direção é talentosa em alguns planos durante os diálogos, principalmente com as mudanças de personalidade entre Nefarious e Edward, mas se por um lado essa aula de "demonologia" é o que acaba segurando nossa atenção em boa parte de sua 1 hora e 38 minutos que se passando praticamente no mesmo cenário, isso também foi o que fez o filme enfiar os pés pelas mãos e fazê-lo desperdiçar o seu grande potencial. Não só na forma que aborda o tema de possessão demoníaca, mas também em como transita entre o sobrenatural e o psicológico.
 
Se no citado "Fragmentado" (2016) temos o flerte com o sobrenatural em meio a fatos psicológicos, em "Nefarious" (2023) o psicológico tenta entrar como explicação para o que se apresenta o tempo todo como sobrenatural.  É uma pena o roteiro não ter tido um cuidado maior em lidar com esse paralelo e nos deixar o mistério da dúvida, mesmo que seu lado sobrenatural seja seu grande peso. 

Se o que nos cativa na proposta é justamente o dilema, a reflexão e as possibilidades, o que ele tinha de melhor não poderia ter sido deixado de lado: o horror psicológico. Em determinado momento, o filme esquece de não assumir uma narrativa taxativa e acaba quase deixando nula a possibilidade do desconhecido. E se o medo muitas vezes vem do desconhecido, então, o que temos aqui?


Sem entrar em questões teológicas e/ou políticas, a questão é realmente o rumo pífio que a história como terror escolhe seguir e o desperdício pela ótima ideia que nos foi apresentado. Algo que, se tivessem acertado, teria sido muito melhor que um sensacionalismo brega, travestido de ocultismo, mas que na verdade não passa de um partidarismo político. 

Quanto a essas questões, até entendemos o fato da liberdade de expressão existir em meio à arte, mas volto a repetir: uma pena. Porque independente da bandeira que levanta, "Nefarious" (2023) tinha absolutamente tudo para ser um dos melhores filmes sobre possessão demoníaca já feitos.
_________________________
★★ (Regular | Nota: 5/10)

*Visto em áudio original: inglês | Legenda: PT-BR