[Crítica] As Vantagens de Ser Invisível


Pra um livro publicado em 1999, definitivamente podemos dizer que ele estava à frente de sua época. Mesmo sendo considerado para “jovens adultos” e retratando questões bem sensíveis do período da adolescência, acredito que, para muitas pessoas, a história de Charlie será melhor apreciada como um bom vinho envelhecido, não como vinho novo.

De fato, Stephen Chbosky consegue chocar o leitor através de um personagem tímido, introvertido e doce, em meio a atrocidades que, vez ou outra, são relatadas em suas cartas. “As Vantagens de Ser Invisível” é como levar uma surra com um ramalhete de flores, nos colocando dentro da intimidade de alguém que, querendo ou não, é a retratação de muitos.

Com quase 300 páginas, nos deparamos com um livro epistolar (em formato de “cartas”), relatando, como em um diário, questões do período da adolescência que precisavam ser expressas e aliviadas através da escrita, mesmo que o destinatário fosse um desconhecido. Desde o começo, percebemos um certo senso de humor do autor, pela forma inusitada que o personagem Charlie se expressa. Além de ficar claro que havia algo de especial nele, só não sabíamos o que ou o porquê.

A leitura é fluída e a linguagem simples de entender. O problema é quando percebemos que a história não possui começo, meio e fim, mas são detalhes e recortes que se passam entre agosto de 1991 e agosto de 1992, com alguns pontos do passado se interligando a esse período do ensino médio em que Charlie tenta “participar” de alguma roda de amigos. 

Confesso que isso me decepcionou um pouco, e boa parte da leitura foi "empurrando". E mesmo que alguns temas fortes e polêmicos apareçam em sua rotina, meu medo foi o livro INTEIRO ser definido apenas em um momento de “vibe” com os novos amigos, onde um adolescente se sentiu “infinito”. Ainda bem que eu estava errado, porém, esse meu pensamento foi mudar apenas no final.

“As Vantagens de Ser Invisível” é um livro que vale muito a pena ter paciência, em meio à dependência emocional de seu protagonista e sua necessidade de se sentir pertencente a um grupo, com jovens fazendo festinhas, transando, bebendo, usando drogas e se dando mal. Afinal, antes de qualquer coisa, o que temos aqui é uma história de amadurecimento, onde os traumas também acabam fazendo parte desse túnel de transformação e autoconhecimento. Engana-se quem pensa que essa seja uma “literatura juvenil”, porque adultos também são carentes, vazios, complexados e cheios de coisas mal resolvidas. Inclusive, muitas dessas questões são trazidas da infância e da adolescência, e que perduram até hoje.

A edição que li foi a lançada em 2020, com um trecho inédito (uma carta extra de Charlie, 20 anos após o epílogo que encerra a edição original), e vou confessar que foi justamente esse trecho que fez compensar boa parte da leitura. É praticamente um texto motivacional e de autoajuda, belíssimo! Claro que o epílogo da versão original também é bem conclusivo e fecha muito bem a história, mas realmente o autor deve ter sentido que faltava alguma coisa, e depois de mais de 20 anos, resolveu colocar esse "anexo de peso".


A obra conjunta de Stephen Chbosky

Em 2012, chega aos cinemas a adaptação cinematográfica de “As Vantagens de Ser Invisível” pelas mãos de seu próprio autor, com ele na direção e no roteiro, e um elenco encabeçado por Logan Lerman, Emma Watson e Ezra Miller. O filme recebe uma narração de Charlie, porque de alguma forma as cartas teriam que estar ali, implícitas ou não, com o destinatário “Querido amigo” e todas finalizadas em “Com amor, Charlie”. 

Além do talento do trio principal, o que chama muita atenção nessa adaptação é sua fotografia. Feita em conformidade com o figurino e design de produção que entra nos anos 90 e dá à produção essa roupagem “cult”. A música já é um elemento contido no livro, então, sua obrigatoriedade como parte de uma trilha sonora recheada de hits não foi apenas suprida numa fita cassete, mas expressa de forma substancial. 

A cena final com eles na pick up atravessando o túnel chega a ser arrebatadora. Isso impressiona bastante, já que Stephen Chbosky foi um estreante na direção. Realmente não sei o que aconteceu pro filme não ter tido mais notoriedade nas premiações, mesmo que tenha recebido duas indicações no Critics Choice Awards, por melhor roteiro adaptado (Stephen Chbosky) e melhor artista jovem (Logan Lerman).

Com 1 hora e 45 minutos de duração, foi o suficiente para Chbosky dar vida a sua obra indie. Sem gorduras, ou tempo para sonolência, somos envolvidos na energia intimista de um grupo de adolescentes prestes a ingressar para a fase adulta e construir suas histórias. Esse instante único, de transição e mudanças, já estava fazendo parte de tudo. A única coisa que Charlie precisava entender, entre feridas e cicatrizes, descobertas e aprendizados; era algo muito além de suas expectativas, projetos e sonhos: ele estava vivo. Desse túnel ele nunca poderia se esquecer, ou deixá-lo apenas numa lembrança. Porque sua história nunca havia deixado de existir.


“...Você levanta e vê as luzes dos prédios e tudo que te faz pensar...
Ouve aquela música na estrada, com as pessoas que você mais ama no mundo. 
E nesse momento, eu juro. Somos infinitos.”
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★★★★ (Ótimo | Nota: 8/10)

*Visto em áudio original: Inglês | Legenda: PT-BR


"Heroes" - David Bowie