[Crítica] Hereditário: Eles não estavam exagerando

Sabe aquele cantinho escuro do seu quarto que você ficava olhando e imaginando coisas antes de dormir quando era criança? Pois é. Se existe algo inovador e genial em "Hereditário" (2018) é justamente isso: a junção do psicológico com o terror. A forma que um vulto em meio a uma baixa iluminação pode acabar se tornando dentro de nós. O "medo real". 
Não há para mim outra definição, afinal, nossa imaginação existe e é com ela que o diretor e roteirista Ari Aster irá brincar. 

Com isso, acabo considerando "Hereditário" aquele entretenimento que chega a passar de seus limites, entrando para minha lista dos filmes de terror/horror que "bastou apenas uma vez". Além de perturbador, ele tem a capacidade de transformar atmosferas e atingir áreas que ninguém foi avisado que seriam alcançadas.

A qualidade técnica que se nota logo na abertura é a trilha sonora carregada e o bom uso dos ângulos de câmera. O roteiro é objetivo no que se propõe e sua dinâmica é de uma construção gradativa, mesmo que isso exija uma certa paciência do espectador acostumado com filmes de terror mais frenéticos. 

Aqui, a intenção não é estabelecer camadas subliminares, mas etapas preparatórias para chegar ao momento de sair do que poderia ser apenas subliminar e EXPOR o seu oculto. Acredito que Ari Aster consegue isso em três etapas:

1ª) Apresentação dos personagens e construção de vínculos emocionais com o espectador;
2ª) Choque repentino com abalo/abertura emocional do espectador através do luto;
3ª) Encontro com o lado espiritual e revelação final sobre sua história obscura;

Um caminho foi preparado, e através dele "Hereditário" nos leva a uma experiência arrebatadora. Mesmo que sua história possa se apresentar de forma particular, ela consegue mexer com a cabeça de qualquer um. Além, claro, dos elementos sobre o medo do desconhecido estarem todos aqui, e isso é o que faz dele tão perturbador. 

Sem apelar para clichês e jump scares baratos, acompanhamos tudo acontecer lentamente dentro de uma família que é levada a níveis insuportáveis de dor, desespero e destruição. Diálogos carregados de ódio, culpa e traumas, onde Toni Collette entrega uma atuação estarrecedora. Só com suas expressões faciais ela consegue carregar o clima de tensão, principalmente nas cenas que contêm manifestações sobrenaturais. Ela já havia provado de sua capacidade em "O Sexto Sentido" (1999), filme que inclusive lhe rendeu uma indicação ao Oscar, mas dessa vez ela elevou ao cubo³ sua entrega ao personagem, provavelmente instigada por uma direção que sabia poder contar com ela nesse sentido. Não bastasse ela, mas todo o elenco demonstra solidez, tanto para o drama quanto para o terror. Alex Wolff é outro grande destaque.

Toni Collette pensando "onde foi que eu errei" em "Hereditário"

A ausência de trilha sonora em alguns momentos torna as cenas cruas, despidas do que seria um "padrão cinematográfico", m
esmo que ela estivesse pronta para contribuir quando necessário. Esse mero detalhe do silêncio para se criar uma atmosfera de terror é o que proporciona essa imersão em algo mais realista. Uma técnica que não souberam utilizar em "Um Lugar Silencioso" (2018), por exemplo. Um silêncio com capacidade de produzir gritos dentro de nós, sufocados por uma onda de medo prestes a invadir um lado da nossa mente que nem lembrávamos que ainda existia. 

Não existe clima maior de tensão e imersão do que colocar o espectador num ponto de vista observador. Ao invés de utilizar uma cena para nos "empurrar" o medo, Ari Aster estimula uma reação no espectador, tirando nossa mente de uma região passiva/receptora e levando-a para um lugar onde ela é ativada, PRODUZINDO o medo com as informações que nos são dadas (ou no caso, o pouco de informação). 

Não é de hoje que esse gênero se destaca por saber utilizar da ausência de recursos que o artificializam, conseguindo apresentar algo inovador e realmente assustador. Se antes essa crueza chocava o público pelo realismo em cenas fortes e violentas, aqui, o que choca é o limite emocional/psicológico em que o ser humano é levado a experimentar. 


Um acúmulo opressor que cresce dentro de nós, até chegar seu momento final e o grito que estava entalado finalmente sair. "Hereditário" não é apenas um filme superestimado pela crítica, mas definitivamente algo que possui todos os elementos capazes de o perpetuar como uma obra-prima. A palavra "terror" entrou em outro patamar de tonicidade, mesmo que o fã do gênero não colete toda essa grandiosidade de imediato. Talvez daqui a um tempo entenderemos o porquê chegaram a rotulá-lo como "O Exorcista desta geração". O engano foi meu por achar que eles estavam exagerando e que isso fosse apenas jogada de marketing. 
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★★★★★ (Obra-prima | Nota: 10/10)

*Visto em áudio original: Inglês | Legenda: PT-BR