[Crítica] A Noite das Bruxas (2023): Literalmente uma noite


Poucos filmes conseguem a façanha de se estruturar de forma eficaz dentro de uma história que se passa praticamente em um único ambiente e durante apenas uma única noite. Não é um trabalho impossível, mas para que dê certo, o roteiro precisa ser muito bom. Infelizmente esse não é o caso de "A Noite das Bruxas", 3º filme baseado nos livros da Rainha do Crime com Kenneth Branagh retornando como Hercule Poirot (também na cadeira de direção) e Michael Green como roteirista.

Os erros de  "Assassinato no Expresso do Oriente" se repetem aqui. Porém, além de escolherem seguir caminhos que fogem da essência preservada no mistério/suspense, eles ainda resolveram escrever uma história praticamente do zero, tendo o livro "Hallowe'en Party" (publicado em 1969) apenas como uma "inspiração". 

Foi um risco a correr, e eles pisaram fundo. Foram ainda mais longe do que no 1º filme, esse que, mesmo sem a imersão nos diálogos investigativos, PELO MENOS ainda era um roteiro ADAPTADO, não praticamente original. Não à toa o filme recebeu o título "A Haunting in Venice" e não o título original do livro - "Hallowe'en Party" - e o problema ao meu ver nem seria toda essa ousadia em seguir (ainda mais) uma liberdade criativa que se distanciasse da obra original, mas a presunção do roteiro em querer se equiparar a originalidade de Agatha Christie, desenvolvendo algo praticamente independente (mesmo ainda com o uso de sua marca), porém, sem culhão para dar conta do recado.

Tina Fey como Ariadne Oliver e Kenneth Branagh como Hercule Poirot

Michael Green, apesar de seu excelente trabalho com o roteiro adaptado de "Morte no Nilo" (e digo EXCELENTE sem medo algum), talvez precisaria de mais tempo pra conseguir desenvolver algo no mínimo coeso, algo que a 20th Century Studios provavelmente não deu e o que vemos nesse filme de 2023 é uma bagunça desenfreada e sem substância, uma história que não dá liga e que dispara para vários lados, se perdendo dentro do que se propõe e não conseguindo chegar a lugar algum. Temos aqui um grande exemplo de que uma riqueza de detalhes não é sinal de engenhosidade.


Nem sua beleza estética e a ótima atuação de Michelle Yeoh conseguem maquiar sua perdição. Palavra "perdição" que por sinal nos remete à EDIÇÃO. Não bastasse o roteiro já ser todo atrapalhado, fazia tempo que eu não via um filme ser tão mal editado. Lembrando que toda a história se passa praticamente NUMA ÚNICA NOITE (filme com duração de 1 hora e 43 minutos), e com todo esse frenesi grosseiro, superficial e desritmado entre "razão x sobrenatural", fez com que tudo acabasse caindo num impasse forçado, servindo apenas para nos mostrar o quanto as boas possibilidades foram desperdiçadas dentro de uma produção que apresenta sinais visíveis de ter sido feito às pressas. 

Edição seria um mero detalhe, mas esse foi um dos detalhes que fez de seu 2º filme (de 2022) algo primoroso. O "timing" entre seus desdobramentos foi o ápice de "Morte no Nilo", que acabou impactando até mesmo quem já conhecia a história do livro e seus plots

Uma pena que não souberam repetir isso com "A Noite das Bruxas", mesmo sabendo que seria um filme distinto e com tantos elementos que poderiam ter dado muito certo.

Livro x Filme

Sendo bem sincero, dos livros que li da Agatha Christie, "A Noite das Bruxas" foi o que eu achei mais fraco (senão, o único que eu achei fraco). Algo bem incomum, já que a grande maioria de suas obras são no mínimo satisfatórias e seguem um selo de qualidade inigualável.

A festa vira um enterro em "A Noite das Bruxas"

O filme até chega a fazer referências a alguns pontos presentes na base de enredo do livro, como por exemplo, as crianças se envolvendo numa festa de Halloween e a marcante bacia com maçãs. Mas tirando isso (e alguns personagens apresentados de forma repaginada), não há mais nada referente ao livro no filme.

Agatha Christie + Terror

A inserção do elemento terror foi uma ideia bem bacana e que poderia ter sido um grande acerto dentro de toda essa liberdade criativa tão prestigiada por Michael Green, mas claro, se todo o restante também estivesse funcionando de forma correta. Nesse fator, o problema nem foi de roteiro, mas na direção mesmo. Branagh perde a mão com tentativas frustradas de assustar o público usando de clichês banais, enquanto cenas escuras cansam a vista do espectador e o desenrolar da história vai cada vez mais sendo insuficiente pra conseguir nos manter inseridos em um MÍNIMO de clímax. O filme parece fazer questão de nos deixar de fora dessa "festa" e o mistério parece existir apenas para os personagens.


A falta de foco no que realmente importa (que já havia sido constatado em "Assassinato no Expresso do Oriente") volta, mas agora, com um resultado final muito pior. Além de toda essa farofada (maquiada por um lindo figurino e bom design de produção) ser jogada na nossa cara como se fosse confete, a história ainda é um "apócrifo" ineficaz, que independente disso, não conseguiu sair do que seria apenas pretensioso, não se definindo nem como terror, muito menos como um mistério.
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★ (Ruim | Nota: 3/10)

*Visto em áudio original: inglês | Legenda: PT-BR