[Crítica] O Cemitério: Livro + Filme (1989) + Remake (2019)

Stephen King é referência mundial quando falamos sobre histórias macabras, isso é inegável. Porém, confesso que sempre tive um pé atrás com seus livros por achar algumas de suas adaptações para o cinema um tanto enfadonhas. Isso acabou afastando o meu interesse de separar um tempo para ler suas obras.

A fama que ele carrega de ser prolixo/verborrágico, principalmente em seus "livros-tijolo", foi outro fator que me manteve impassível, mesmo que no fundo, sabia que um dia acabaria cedendo e tiraria minhas próprias conclusões me enfiando em alguma de suas histórias. Engraçado que, esse dia chegou e o livro escolhido para isso é bem curioso. Além de ser considerado por muitos o mais assustador do autor, é também o livro que o próprio King disse não gostar muito numa entrevista recente, que "O Cemitério" era para "estar mofando até hoje numa gaveta de sua escrivaninha".

Publicado em 1983, "Pet Sematary" é um dos grandes sucessos do autor. Sendo o livro que me fez ver o quanto eu estava errado acerca de sua imagem como escritor (bom, pelo menos com esse livro). Com pouco mais de 400 páginas, é impressionante o quanto a narrativa do King nos abraça e nos deixa confortáveis em meio aos diálogos de seus personagens, estabelecendo vínculos com o leitor bem particulares. 

Toda essa intimidade e conquista de confiança, apenas para depois acabar nos levando a uma das regiões mais sombrias, profanas e macabras que eu já vi numa obra de ficção (e essa talvez, realmente seja a palavra que a defina: MACABRA), nos mostrando que o que parecia ser algo infantil ou "bobinho", na verdade é algo onde o buraco é bem mais embaixo.

Talvez o "O Cemitério" seja o precursor do que seria definido como "horror psicológico" nos dias de hoje. É uma história que traz o luto e a forma como o ser humano lida com a morte (e alguns de seus questionamentos) de uma forma visceral. Carregando o eufemismo no slogan "às vezes, estar morto é melhor" (que não tem nada a ver com o desejo pela morte, veja bem), Stephen King consegue levantar através de uma obra ficcional um assunto muito delicado, e mesmo fazendo isso de uma forma sensível, tudo não deixa também de ser assustador. O leitor facilmente se coloca no lugar dos personagens, e junto deles, acaba caminhando por terras insólitas, onde além do solo não ser bom, o coração do homem ainda é pedregoso.

Um livro assustador. E ao mesmo tempo uma reflexão, não sobre convicções, mas em como muitas vezes a ficção acaba sendo um acalento de muitas realidades. Exemplar de cabeceira. Leitura fluída do início ao fim, e diria até que obrigatória para os amantes do gênero.


Os erros e acertos da adaptação de 1989

Seis anos após a publicação do livro, chega aos cinemas a primeira adaptação. Com Mary Lambert na direção e roteiro do próprio Stephen King, "O Cemitério Maldito" escolhe trazer leveza para uma história bem pesada. Mesmo com a classificação indicativa para maiores de 16 anos, o filme passa longe de conseguir mostrar o real horror contido na essência do livro.

Talvez a necessidade de deixá-lo mais "pop" ou até mesmo o medo de errarem a mão e ele acabar se tornando (de certa forma) problemático, acabou o limitando de poder se tornar um dos filmes mais assustadores de todos os tempos. 

Denise Crosby sentindo um arrepio na espinha, como Rachel Creed

A questão psicológica acerca do luto perde a força e o foco passa a ser o choque através do visual (principalmente no que diz respeito a maquiagem/gore). As cenas com Victor Pascow são de arrepiar e é o que acaba carregando boa parte do filme (cenas inspiradas talvez em "Um Lobisomem Americano em Londres" de 1981), mas por outro lado, os desencontros com os traumas de infância envolvendo a irmã Zelda por exemplo, poderiam muito bem ter sido cortados, abrindo espaço para o desenvolvimento do ponto chave da história.

Por incrível que pareça, esse é o problema nessa adaptação ao meu ver: as escolhas que o roteiro faz (escrito pelo próprio autor do livro). Faltou ousadia, coragem de extrair o essencial do conteúdo base, sem medo de falar sobre um assunto que uma hora ou outra, viria à tona.

Acredito que o elenco conseguiria estar a altura de uma atuação com uma parte dramática mais intensa, caso os 103 minutos de duração do filme tivessem sido melhor utilizados, ou se pelo menos tivessem acrescentado uns 10 minutos  A MAIS pra conseguirem desenvolver melhor esse lado do drama familiar.

Lembrando que, na verdade, toda a estrutura do filme é praticamente a mesma do livro. O que ficou faltando realmente foi a alma. E quando falo de "alma", não é sobre o fantasma de Victor Pascow, nem sobre a ótima participação de Ramones embalando a trilha sonora.

Apesar de "O Cemitério Maldito" falhar como adaptação, ainda assim é um bom filme e tem seus pontos marcantes. O capricho na direção de Mary Lambert ajuda bastante e consegue criar uma atmosfera no mínimo envolvente, crua em alguns momentos, e com isso acaba gerando um certo impacto, mesmo que a obra não tenha sido tão completa.
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★★★ (Bom | Nota: 6/10)

*Visto em áudio original: inglês | Legenda: PT-BR


Os erros que se repetem no remake


Precisamos falar sobre como o trabalho de marketing nos filmes são importantes. Todos sabemos o quanto as distribuidoras tem um papel fundamental nisso, ainda mais quando se trata de algo tão pertencente a uma obra final: o TRAILER. E aqui, vemos o descuido (já muito conhecido) de quando ele acaba mostrando demais e estragando o impacto das principais cenas quando o espectador o assiste na íntegra. Infelizmente isso acabou pesando na hora de avaliar esse filme, devido a frustração em saber que tudo o que ele tinha de melhor tinha sido mostrado no trailer.

Nesse remake de 2019 vemos a tentativa de se reparar os erros do passado, mas ainda com aquele apego a questões que deveriam ter sido deixadas de lado. Dirigido por Kevin Kölsch e Dennis Widmyer (dupla de diretores com filmes desconhecidos no currículo, como "Starry Eyes" e "Holidays") e roteirizado por Jeff Buhler de "Maligno" (The Prodigy) com uma história de Matt Greenberg (roteirista de "1408", filme também baseado numa obra de Stephen King). Ou seja, várias mãos trabalharam aqui. Só uma pena ele não ter passado pelas mãos de quem conseguiria talvez entregar algo mais elevado.

Após a estreia do diretor Ari Aster nos cinemas, com o seu "Hereditário" em 2018, óbvio que o público já estaria amortecido quando a temática de algum outro filme de terror fosse algo tétrico. 

Mesmo controlando toda a hype, o fato é que "Cemitério Maldito" (2019) continuou sem a alma do livro. Mudanças no destino de alguns personagens foram feitas (e eu até gostei dessa ousadia), mas a falta de desenvolvimento no drama familiar, mais uma vez, é o que nos deixa de luto quanto a questão de adaptação.

Esse gato não parece ter sido castrado em "Cemitério Maldito" (2019)

Se no filme de 1989 o forte foram as cenas de impacto visual, agora pelo menos temos um pouco do horror psicológico (mesmo que tais cenas tenham sido mostradas no trailer). O momento de Louis Creed escovando o cabelo da filha no banho e o abraço da menina na mãe, depois dela voltar dos mortos, é o que consegue trazer algo de bom para esse remake (e que não foi tão explorado no filme original). 

Inclusive, outro ponto forte aqui são as atuações de Jason Clarke e (principalmente) de Amy Seimetz, interpretando o casal Louis e Rachel Creed. Se o roteiro não teve tempo de desenvolver a parte dramática e psicológica acerca do luto (com 1 hora e 40 minutos de duração do filme), o pouco que esse quesito aparece em cena eles conseguem carregar de forma excepcional, muitas vezes apenas com o olhar.

Mas fica impossível não se incomodar com duas coisas: os furos de lógica no roteiro e o design de produção. Não entendi a necessidade de querer "mistificar" o pântano e o cemitério Micmac com um CGI ruim, névoa, relâmpagos e uma atmosfera parecida com uma espécie de mundo paralelo, se a história em torno dele já é bizarra por si só. Com a exceção das cenas em que o personagem do Louis está sonhando, não vi necessidade alguma desse visual forçado. Nem se resolvessem enfiar a lenda do Wendigo no meio.

O pântano aos arredores do cemitério Micmac, pura treva.

A cena que Louis Creed dá uma de coveiro, no filme antigo até conseguiram engambelar colocando um carro da polícia fazendo ronda, mas aqui, a circunstância em si acaba soando um tanto absurda e inverossímil. (E não vou nem comentar sobre a aparência do cadáver quando ele abre a tampa do caixão, jurei ter visto um sorriso na menina morta).


Enfim, acredito que tanto no filme de 1989 como nesse remake de 2019, independente dos prós e contras, o que ficou faltando foram uns 20 minutos a mais de filme. Talvez se a Paramount os enterrasse no cemitério Micmac mais uma vez, eles poderiam voltar melhores. Ou...não, pera.
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★★ (Regular | Nota: 5/10)

*Visto em áudio original: inglês | Legenda: PT-BR