[Crítica] Glass Onion: Um Mistério Knives Out


N
ão à toa que a escritora Agatha Christie é considerada a "Rainha do Crime". Ela recebeu esse apelido carinhoso não por ter escrito um best-seller, mas por ter em sua biografia mais de 100 livros que a mantiveram nesse posto. E mesmo que muitas vezes "quantidade não quer dizer qualidade", ela conseguiu a façanha de entregar uma regularidade em suas obras, mantendo seu selo e nos recheando de histórias clássicas. Ela fez "parecer ser fácil" e até hoje é uma referência quando falamos de mistério.

Tudo bem que o contexto aqui é outro, mas fica evidente como deve ser difícil conseguir essa regularidade criativa de forma assertiva. 
"Entre Facas e Segredos" (2019) foi uma baita surpresa, que inclusive rendeu a Rian Johnson uma indicação ao Oscar por melhor roteiro original, mas em "Glass Onion" (2022) vemos ele cometer erros e entregar algo bem aquém do apresentado no primeiro filme. E o cheiro dessa cebola eu já estava sentindo de longe.

Algo parecido senti na adaptação de "Assassinato no Expresso do Oriente" (2017) de Kenneth Branagh, que depois ele corrigiu em "Morte no Nilo" (2022). Porém, aqui temos o contrário. O que se acertou no primeiro filme, simplesmente se esqueceu no segundo: O MISTÉRIO INVESTIGATIVO. Já que a proposta é ser uma sequência de um filme que abertamente faz essa homenagem às histórias de mistério, o que não poderia faltar é justamente a BASE disso tudo. 


Em "Glass Onion" vemos uma premissa um pouco parecida com o livro "A Extravagância do Morto", mas que se torna quase um filme de comédia, beirando o ridículo em alguns desses momentos de humor (nada contra os filmes do Leslie Nielsen) e tornando tudo muito descaracterizado pela falta de foco no que realmente interessa. Diferente do primeiro filme, aqui faltou dosar. E mesmo que a extravagância tenha sido visivelmente uma escolha, isso não quer dizer que ela precisava ser brega. 


Essa necessidade em ostentar o luxo (afinal, todos os filmes de mistério gira em torno de pessoas ricas) deixa de ser uma sátira às futilidades desse nicho e se torna só um desvio de caracterização. O personagem Benoit Blanc deixa de ser detetive e passa a ser um "cúmplice". Uma ideia até interessante, mas muito mal executada. Eu não vou comentar sobre a excentricidade dos figurinos, porque isso até tem o porquê de estar ali, já essa saturação na paleta de cores eu não entendi o porquê. Estava quase colocando óculos escuros pra assistir o filme. 

Perante o roteiro, a fotografia com certeza é o menor dos problemas. Esse, na verdade, é um filme com muitos problemas e o que segurou ele de não ser uma tremenda bomba, foi o mínimo de estruturação na história, a sátira que faz com alguns estereótipos (possivelmente cancelados na internet) e a atuação de Janelle Monáe, a única mais concentrada.

Só não entendi como Monáe aceitou esse papel. Provavelmente não leu o roteiro antes pra ver que uma de suas falas seria de teor racista sobre cabelo crespo, e nesse caso, é só racismo mesmo, não humor. Até Daniel Craig se demonstra desconfortável em cena, talvez pelas gravações terem sido num período pandêmico (de junho até setembro de 2021), porque em questões de investimento, o orçamento dessa sequência foi o mesmo do primeiro filme - US$ 40 milhões - E disso acredito que ele não tenha do que reclamar.

Faltando meia hora pra história acabar, eu pensei "de duas, uma": ou a conclusão será previsível, ou o roteiro ficará com um FURO enorme depois do plot twist. E quando finalmente chegou o final, aconteceu o que eu não esperava: os dois. Ele foi previsível e também deixou um furo no roteiro. 

Rian Johnson usa duas linhas temporais pra encaixar a história e tentar melhorar a pouca criatividade de seu núcleo, mas isso não foi algo realmente significativo e só acabou gerando incoerências (furos) de continuidade no roteiro.

Quanto a descaracterização (o grande defeito), talvez Rian Johnson esteja querendo sair desse tom mais sério das histórias de detetive e seguir construindo uma identidade própria. Ele só precisa decidir se realmente é isso, porque aqui, ele tentou de tudo e o resultado final acabou sendo esse: o choro de quem esperava o mínimo, enquanto uma cebola fosse descascada pro seu mistério se revelar. Porém, ficamos apenas na espera, com a Mona Lisa exposta na sala do diretor da Netflix e "Glass Onion" ainda sendo indicado em premiações.
____________________
★★ (Fraco | Nota: 4/10)

*Visto em áudio original: Inglês | Legenda: PT-BR